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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A mobilidade urbana trabalhada no Ensino de Ciências – uma proposta pedagógica

A mobilidade urbana trabalhada no Ensino de Ciências – uma proposta pedagógica Fabiano Faga Pacheco¹ & Eliane de Melo¹ ¹Graduandos em Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Estagiários de Ciências no Colégio de Aplicação da mesma instituição durante o segundo semestre de 2012. Resumo Esta obra aborda a vivência de dois estudantes em processo de formação inicial em Licenciatura em Ciências, que visaram à utilização da mobilidade urbana como terma transverso em suas aulas de Física para o Ensino Fundamental, analisando suas as possibilidades e dificuldades de novas práticas metodológicas no atual contexto educacional nacional. Uma experiência docente Viemos ambos de apenas uma experiência anterior como docentes. Um semestre em escolas públicas federais, lecionando Biologia no Ensino Médio. Um no próprio Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina. Outra, numa escola militar em terras manauaras. Estamos ambos ainda no início de nossa formação docente. E foi como estagiários de uma disciplina (Ciências), no mesmo Colégio de Aplicação citado acima, que lançamo-nos o desafio de estabelecer relações de ensino e aprendizagem com estudantes da 8ª série (9° ano) do Ensino Fundamental. Nossa missão seria construir e reconstruir conhecimentos de algumas subáreas da Física, notadamente a Mecânica, que era, ao menos aparentemente, algo novo à maioria dos estudantes, que já haviam tido outros conteúdos de Física e de Química ao longo dos primeiros dois trimestres do mesmo ano. Algumas semanas de observação da turma em questão e começamos a planejar a forma como iríamos ministrar os conteúdos de Física que se nos eram fornecidos. O que iríamos ensinar? Como iríamos fazê-lo? De que forma a matéria seria apresentada para que atraísse a curiosidade dos alunos? Como fazer para aplicar aspectos de uma pedagogia construtivista em contraposição ao ensinamento tradicional que recebemos ao longo de nossa própria formação escolar? Como ensinar o básico de uma parte tão vital da Física, sem atentar à inteligência dos alunos e sem nos apressarmos em demasia em proporcionar o conteúdo almejado, de forma a construir progressivamente os conceitos com os alunos? Como forma de integrar e unificar os conteúdos dessa parte das ciências, proporcionando, outrossim, relações com o meio social em que tanto alunos quanto professores estão inseridos, foi nos sugerido pela Profª. Suzani Cassiani, do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina, a utilização da temática de mobilidade urbana. Tal ideia nos foi acatada. A Mecânica é a parte da ciência que estuda o movimento dos corpos, bem como o seu estado de repouso e a sua variação ao longo do espaço e do tempo. Sob essa óptica, tem inúmeras similaridades com a temática da mobilidade urbana, que lida com os deslocamentos dos indivíduos ao longo das vias dos municípios. Diversos temas da Mecânica podem ser facilmente observados na mobilidade: o ir e vir de casa ao trabalho (ou à escola), a variação de velocidades ao longo de um trajeto, as forças que interagem para que um indivíduo possa simplesmente caminhar. A mobilidade como eixo condutor das propostas para ensino de física, além disso, possibilita uma aproximação com a vivência dos alunos e uma forma de trabalhar uma crescente problemática social que aflige o município de Florianópolis. Ciencia de Ciências O ensino das Ciências em geral, e de Física em particular, desde a sua implementação no currículo escolar brasileiro, sofreu modificações importantes em sua concepção, muito embora essas mudanças não tenham sido acompanhadas de alterações na forma de se ensinar Ciências na maior parte das escolas [7,15]. Nas décadas de 1950 e 1960, a estruturação das escolas brasileiras era muito assemelhada à concepção estadunidense de ensino em voga à época. Os alunos, via de regra, eram desde a escola preparados para exercerem funções de mão-de-obra para a indústria. A própria inserção de conteúdos de Física nos sistemas escolares brasileiro e estadunidense advinha da necessidade de uma preparação dos indivíduos para o trabalho e consumo relacionados à indústria e à tecnologia [7,15]. Nesse âmbito, a teoria de aprendizagem reinante valorizava os mecanismos que influenciassem os comportamentos dos indivíduos de forma que as características destes se aproximassem de um comportamento que era tido como desejável. Na busca pela priorização de resultados, a repetição, o reforço positivo e a instrução programada foram – e continuam até hoje – largamente utilizadas no ensino de Ciências. A própria formação dos professores estava condicionada a utilizar-se de estratégias e mecanismos que perpetuassem essa forma de se agir perante o ensino de Ciências [15]. Ainda ao final da década de 1970, entretanto, diversos sociólogos da educação passaram a criticar essa forma estática e mecanizada como as Ciências eram trabalhadas na sala de aula. Foi uma época em que ideais construtivistas começaram a ser difundidos. Com esses sociólogos, teve início uma profunda reflexão sobre o papel da escola na vida do indivíduo e na sociedade, que se refletiram na adoção de aspectos da Teoria Crítica do Currículo nos Parâmetros Curriculares Nacionais [7,15]. Atualmente o ensino de Ciências, bem como de Física, deve estar voltado para capacitar o estudante para a realização de atividades em três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva. Dessa forma, visase a atingir as premissas apontadas como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver; e aprender a ser [15,18]. Assim, as formas pelas quais ocorriam os processos de ensino-aprendizagem tiveram que ser modificadas de forma a trabalhar uma formação do indivíduo em que este, além de compreender e relacionar os conteúdos, possa também ser um agente social, ciente das problematizações e possibilidades de seu tempo. Transversalidade Nesse contexto, a utilização de uma didática arcaica é impertinente para a concepção de um cidadão contemporâneo [14]. O uso dessas metodologias persistiria muito mais por serem, supostamente, consagradas pelo uso do que pela sua importância na formação geral de um indivíduo que seja capaz de compreender seu mundo. Seria necessária, então, uma reflexão das práticas escolares, para que estas resultem no desenvolvimento do senso crítico dos alunos. E a prática na perspectiva quase que exclusiva do ensino por transmissão não corrobora para uma análise crítica dos conhecimentos prévios e adquiridos. As próprias instituições de ensino, em sua maioria, colaboram para um relativo insucesso na aprendizagem de Ciências, notadamente Física, uma vez que estão estruturalmente fundamentadas a proporcionarem tão-somente a acepção de conceitos pré-estabelecidos, sem discussão ou mesmo investigação de evidências contraditórias[15]. Tal estruturação dificulta aos alunos relacionarem os conteúdos vistos em salade- aula com outros aspectos de sua vivência, tornando essa linguagem disciplinar uma barreira de difícil transposição [10]. De fato, os métodos de ensino empregados pelos professores que destoam das teorias de aprendizagem mais recentes são apontados como um dos fatores para o insucesso escolar [9][11][7][18][16]. As novas metodologias devem considerar o cotidiano do aluno, os fenômenos, situações e tecnologias que o cercam, trazendo para a sala de aula os questionamentos que atiçam a curiosidade do aluno, facilitando a compreensão das Ciências a partir de uma temática local e relevante para ele [4,7]. Sob esta óptica, as Ciências passam a ser enxergadas como um instrumento para a compreensão do mundo, sendo consideradas um meio para se atingir tal objetivo e não um fim que se encerra em si próprio, tal como decorre em um ensino fragmentado [14]. Diversas formas são possíveis para que se proceda a um ensino não segmentado[4]. Recursos didáticos dos professores, nos quais destacamos a transversalidade, podem ser usados sem a necessidade de amplas reformas na estrutura física e curricular de uma escola, sem a criação de novas disciplinas. Se, por um lado, as metodologias tradicionais causam a impressão errônea de que existe uma estrutura hierárquica no ensino e que a distribuição de conteúdos tenha apenas uma forma de ser organizada, a transversalidade propõe a quebra da rigidez dessa estrutura, propondo a organização do ensino através de temas [10]. Essa forma de se estabelecer a relação de ensino e aprendizagem permite que se trabalhe com os conhecimentos prévios dos assuntos a partir de temas de seu cotidiano, gerando um ambiente que favoreça no aluno a capacidade de refletir, de dialogar, de resolver racionalmente os distúrbios da cognição, construindo, assim, a sua capacidade de decisão e ação, a sua autonomia e a sua confiança [4]. Se o ensino de Ciências reduzir-se à memorização de saberes formais e expressar-se em exercícios desprovidos de sentido aos alunos dificilmente adquirirá o potencial de aplicação para os diferentes contextos que são assumidos fora da sala de aula [14]. O conhecimento não deve ficar restrito apenas ao ambiente escolar, mas tem que suplantar os muros da escola e fazer sentido em diferentes contextos. De nada adianta, o aluno dispor de acesso ao conhecimento sem compreender os seus significados e sem conseguir efetivamente transpor as barreiras da linguagem disciplinar de um ensino fragmentado [4,10]. A transversalidade é uma forma pela qual a construção do conhecimento pode ser mais efetiva, levando a um processo cognitivo em que as situações escolares e cotidianas enredam-se para a formação de um conhecimento significativo [10]. Deslocamento A mobilidade urbana é um tema que vem sendo amplamente debatido nas cidades brasileiras. O aumento da quantidade de veículos automotores tem provocado engarrafamentos constantes nas cidades de grande e médio porte [6]. Atualmente, Florianópolis é uma das cidades com maior número de veículos por habitante, tendo visto, nos últimos cinco anos, os congestionamentos serem cada vez maiores e mais frequentes [2,6]. Um estudo recente, por exemplo, colocou a capital catarinense como o município com a pior mobilidade urbana do Brasil e segunda pior do planeta [8]. A geomorfologia da cidade ilhoa provida de maciços rochosos elevados para sua pequena largura fez com que existissem poucos percursos entre os diferentes bairros, dificultando a existência de outras possibilidades de caminhos entre as localidades. Além de prejudicar o trânsito de automóveis, os engarrafamentos são um dos responsáveis pela ineficiência do transporte coletivo municipal, composto exclusivamente por ônibus, pela insegurança em quem se utiliza de meios de transporte alternativos, como a bicicleta, além de gerarem problemas sociais, como os acidentes e a demora no atendimento de ocorrências médicas, policiais e de guarda-vidas em geral[12]. Em apenas dois anos, por exemplo, caiu pela metade o número de atendimentos de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (SAMU). A mobilidade urbana, então, além de onipresente no cotidiano dos alunos, que têm que se deslocar de suas casas ao colégio, enfrentando toda a logística e problemática associada, também permite um conhecimento em rede [4], devido à relação que ela apresenta com questões políticas, energéticas, de saúde e de segurança. Observação e opção A etapa preliminar de observação, além da presença no Conselho de Classe da turma em que lecionaríamos e das reuniões com nossas orientadoras, foi fundamental para a opção de se utilizar um tema que pudesse levar os alunos a pensar em situações que extrapolassem o ensino tradicional. As antigas metodologias dificilmente fazem despertar a curiosidade nos alunos, ainda mais em uma matéria tão complexa como é a Física. A primeira série do Ensino Médio, por exemplo, é a etapa em que se verificam as maiores dificuldades para os estudantes em desempenhar tarefas simples relacionadas ao ensino e aprendizagem de Física, principalmente quando as práticas pedagógicas são transmitidas por meio do ensino convencional [16,18]. Os estudos identificam diversas causas para essas dificuldades, dentre as quais: desapreço dos alunos por disciplinas que envolvam cálculos; apatia pelas disciplinas de Ciências Naturais e Matemática; falta de estrutura adequada existência de aulas experimentais; ausência de profissionais formados na área específica; deficiências de conhecimentos acumulados ao longo do Ensino Fundamental; ausência de pesquisa sobre o ensino; enfoque voltado ao vestibular; descontextualização das aulas; e ensino pautado numa memorização excessiva [7,13,14,16,17,1816]. Como biólogos em formação, lecionando a conteúdos de Física na disciplina de Ciências para o Ensino Fundamental, tais questões envolvem-nos em uma responsabilização crescente, levando-nos a diversos questionamentos pedagógicos. Por um lado, o raciocínio matemático-analítico é parte constituinte da Física. Por outro, a Física não se limita apenas a ele, englobando também um raciocínio lógico nãonumérico. Para complicar um pouco mais, verificou-se que matemática era a disciplina que a maioria dos estudantes detinha as piores médias. A exposição dos alunos durante o Conselho de Classe fez-nos também repensar na execução de saídas de campo. De maneira geral, o consenso da turma era de que, apesar de serem legais, elas não eram instrutivas. De fato, mostrou-se difícil, numa turma psicologicamente tão heterogênea, obter a devida atenção de parte dos alunos durante as aulas práticas, seja em classe, seja ao ar livre. Entretanto, considera-se que a atividade experimental, não necessariamente de laboratório, seja, indiscutivelmente, uma importante estratégia de ensino de Física e das Ciências em geral [13]. Nossas três horas-aulas semanais durante os quase três meses de estágios aconteciam no período vespertino, acabando, invariavelmente, ao soar o sinal do recreio, o que fazia aumentar a euforia dos alunos conforme mais próximo ficávamos do intervalo. Tal situação fez-nos optar por realizar a maior parte das atividades extraclasses no período de nossas aulas, de modo a logo em seguida liberar os alunos ao lanche. Para sabermos as melhores formas de avaliar os alunos, aplicamos a eles um questionário [7] (Anexo I), aproveitando, também para introduzir a temática de mobilidade urbana que permearia o nosso ensino. Verificamos que a maioria dos alunos afirmou que aprende melhor ouvindo (55%), escrevendo/copiando (55%) e lendo (41%). Como opções para tornar as aulas mais interessantes foram citadas: a realização de experiências, aulas diversificadas, atividades práticas, ao ar livre, jogos/brincadeiras, desenhos. Conforme nos havia, sido informado no Conselho de Classe, a turma tinha alunos que estavam sendo psicopedagogicamente orientados e/ou acompanhados e algumas atividades artísticas poderiam ser se constituir em formas melhores de avaliação desses alunos. Com essas considerações, partimos para a montagem de um planejamento das aulas que levasse em consideração as novas metodologias, os anseios dos alunos e que proporcionasse uma avaliação contínua e plural. No questionário, também verificamos que a maioria da turma gostava da disciplina, bem como viam na Física uma importância que ia além da sala de aula, relacionando-se com os artefatos tecnológicos e astronômicos. Mecânica Para fazer a iniciação da Mecânica, optamos por abordar os conceitos básicos de tempo e distância, contextualizando-os historicamente, numa aula expositiva e altamente dialogada. Dentre as atividades que chamaram maior atenção, vale a pena afirmar que se mostraram interessantes os pedidos para que os alunos marcassem na lousa qual o tamanho de um metro (1m), bem como que estimassem as extensões das paredes da sala. O recurso multimídia “The Scale of Universe 2” (“A Escala do Universo”, versão 2) [5], apesar de despertar o interesse dos alunos, não pareceu ter contribuído para ajudar a caracterizar uma dimensão espacial. Tal fato possivelmente decorre do excesso de informação, algumas não muito relevantes, e da dificuldade na comparação de uma escala humana, palpável, com escalas macro e microscópicas. Dessa forma, consideramos que o uso dessa ferramenta seja cuidadosamente considerado ao se lecionar para o Ensino Fundamental. Como parte das atividades iniciais relacionadas à mobilidade urbana, propusemos uma tarefa simples em que os alunos deveriam pesquisar qual a distância que eles percorrem entre a casa e o colégio e em quanto tempo eles fazem esse trajeto (Anexo II). Para medirem a distância, eles poderiam se utilizar de ferramentas disponíveis virtualmente, como o Google Maps. Já o tempo seria aferido pessoalmente pelos alunos, que anotariam os horários de saída do colégio e de chegada em suas residências (ou vice-versa). Pretendia-se, com esses resultados, abordarmos velocidade média, podendo-nos prosseguir com uma análise crítica sobre os Desafios Intermodais de Florianópolis, após a qual faríamos um debate sobre como melhorar a mobilidade urbana de nossa cidade, abordando os impactos dos veículos automotores e as razões para as deficiências encontradas no transporte público de Florianópolis. Embora essa atividade já tenha sido utilizada por outros professores [18], com ela vem uma situação matemática extra que poucas vezes é reconhecida e que pode dificultar a pretensão de não mecanização do ensino de Ciências. Se em nossas cidades as distâncias podem ser mensuradas em quilômetros, o tempo médio dos alunos no deslocamento entre o colégio e suas casas é dado, frequentemente, em minutos. Foram poucos os casos de alunos que conseguiram transpor a barreira da transformação de um tempo dado em minutos para horas, o que facilitaria a compreensão da noção de velocidade média através de uma unidade métrica conhecida (quilômetros por hora). A dificuldade de compreensão da Matemática, neste caso, exibiu reflexos negativos na aprendizagem de Ciências. Para poder fazê-los criar uma concepção de velocidade média por outra medida, levamo-los ao gramado do colégio. Com a ajuda de dois cones, delimitou-se a distância de 40m, que os alunos poderiam percorrer caminhando ou correndo, e, com a ajuda de um cronômetro, obter os dados necessários para se aferir a velocidade média na unidade de metros por segundo. Apesar de aparentemente ter sido bem produtiva, as atividades daí decorrentes, tanto exercícios feitos em casa quanto em sala de aula, demonstrou que poucos alunos conseguiram adquirir noções sobre velocidade média, bem como tanto a falta de uma boa base matemática quanto a não realização de tarefas sugeridas em casa e em sala de aula acabaram por tornar esta atividade menos frutífera do que a sua potencialidade sugere. Intermodalidade Para as aulas seguintes, planejamos atividades de leituras em duplas, na sala de aula. Com base em diversos relatos de professores, sabíamos que havia uma tendência em vários alunos à relapsidade no que concerne à execução de tarefas em casa. Essa constatação poderia nos prejudicar no desenvolvimento de atividades em sala de aula, levando a um desnível entre os alunos. O Desafio Intermodal tem um grande potencial de ser abordado em sala de aula, tanto ao nível de Ensino Fundamental quanto de Ensino Médio. Trata-se de uma atividade de cunho não científico em que diversos meios de transporte saem ao mesmo horário de um determinado local, com destino e um mesmo destino. Com largada do horário noturno do rush, os participantes devem cumprir todas as leis de trânsito e estacionar seus veículos antes de terem seu tempo final aferido [1,2,3,21,22]. Os Desafios Intermodais levam em consideração não apenas o tempo de chegada de seus participantes, mas também a sua velocidade média, o seu gasto energético, os custos envolvidos e a emissão de poluentes [1,2,21,22]. Utilizando uma reportagem de jornal sobre o Desafio Intermodal de Florianópolis de 2010 (Anexo III) [3], pretendia-se, com base na velocidade média dos meios de transporte analisados (automóvel, motocicleta, ônibus, bicicleta e pedestre correndo), discutir sobre a opção pelo uso da bicicleta na cidade, bem como dialogar sobre opções para se tornar o transporte coletivo mais veloz. As atividades quantitativas avaliativas demonstraram que o tempo utilizado em sala de aula, em duplas, infelizmente não foi proveitoso para os objetivos das aulas e mesmo as diversas conversas muitas vezes passaram longe das Ciências e da mobilidade urbana. A opção por atividades em dupla foi para que a linguagem científica escolar cedesse lugar à linguagem comum própria dos estudantes [9,11]. Muitas vezes, a comunicação entre alunos é mais eficiente do que a comunicação entre o professor e o aluno [9,11]. Entretanto, neste caso, observaram-se ganhos qualitativos quando o professor passou a organizar os pensamentos dispersos dos alunos. Percebeu-se um interesse e participação muito grande dos alunos, que demonstravam conhecimentos que uma avaliação tradicional dificilmente consideraria. O Desafio Intermodal demonstrou um potencial muito grande de gerar curiosidade aos alunos e proporcionar um debate em sala de aula, a partir do qual se puderam perceber as ideias prévias dos estudantes acerca de aspectos de mobilidade urbana que podem ser trabalhados transdisciplinarmente. As formas pela quais eles serão utilizados em Ciências podem ser objetos de relatos de casos e estudos mais aprofundados, tanto na abordagem de conceitos de velocidade média e energia quanto de poluição atmosférica e seus impactos na saúde humana. A beleza da Física Após o trabalho desenvolvido com o Desafio Intermodal, optou-se por passar o filme “Sonhos no Gelo” [20]. Nele, uma estudante decide, como forma de ingresso em uma famosa universidade estadunidense, criar um portfólio em que mostra como a compreensão da Física pode contribuir com a melhora do desempenho na patinação no gelo. O filme tinha como objetivo despertar a curiosidade dos alunos e fazê-los pensar em como a Física está presente em seu cotidiano. Daí adveio a proposta de os alunos realizarem uma atividade, que poderia ser variada, desde desenho, texto, poesia até vídeo e música, desde que fossem abordados temas relacionados com movimento, parte abordada pela Mecânica. Os resultados foram surpreendentes. Essa avaliação plural possibilitou o desenvolvimento de competências que uma avaliação convencional seria ineficaz em obter. Sem contar que tornou possível acessar, juntamente com os questionários aplicados no começo do trimestre, os sonhos de alunos que têm dificuldade na expressão oral e escrita, suplementando os professores com possibilidades avaliativas qualitativas que escapam à tradicional, que se mostra insuficiente para um universo grande dos discentes. Corre e freia O planejamento das aulas previa ainda a utilização de cones para a abordagem de aceleração. Novamente, os cones foram acionados. Três trechos consecutivos foram montados. O primeiro os alunos deveriam percorrer caminhando, tentando manter uma velocidade constante. No segundo, os alunos deveriam acelerar até o cone seguinte, para, então, fazer manter no terceiro trecho novamente uma velocidade constante, em ritmo de corrida. Cada trecho tinha o seu tempo aferido. Com isso, pode-se obter uma velocidade média para os trechos inicial e final, e, com isso, obter-se a aceleração usando o trecho intermediário. Os resultados dos alunos foram comparados na lousa, em grupo, aproveitando-se para introduzi-los na análise de gráficos. Embora a outra atividade ao ar livre tenha tido resultados questionáveis e mesmo nesta os aparentes déficits em Matemática foram perceptíveis, as discussões teóricas e a análise gráfica pareceram ter sido satisfatórias, demonstrando que, a despeito de problemas passíveis de terem advindos do uso da matematização inerente à Física, apesar da permissão do uso de calculadora, a compreensão da matéria pode ser aplicada ao cotidiano dos alunos. Não concebemos, no entanto, nenhuma forma de se avaliar ou verificar a existência de aprendizados significativos decorrentes dessas discussões, o que seria válido a ser considerado futuramente. Diferenças Por fim, mais um recurso didático foi utilizado. O vídeo intitulado “A diferença entre 60km/h e 65km/h” alia um problema de Física a uma situação cotidiana no trânsito. Inicialmente diferindo apenas em 5km/h, dois veículos, ao observarem uma mudança abrupta na via, a exemplo de um caminhão, reagem juntos e freiam a uma desaceleração igual e constante. Entretanto, ao colidirem, um está a apenas 5km/h enquanto o outro se choca a 32km/h [19]. Essa diferença, contraintuitiva em princípio, é explicada facilmente pelas Ciências, e decorre pelo fato de que um veículo mais veloz que outro, mesmo que ambos reduzam a velocidade em uma razão constante, a cada segundo percorrerá uma distância superior, atingindo em menor tempo – e portando maior velocidade – o obstáculo [19]. Esse problema exemplifica que o ensino de Física pode envolver questões conceitualmente ricas e interessantes, em contraposição às questões repetitivas e irrelevantes usualmente encontradas em livros-textos [19]. Reflexão O planejamento das aulas sofreu diversas modificações ao longo do semestre. Avaliamos erroneamente a quantidade de conteúdo a ser ministrada e, tendo em vista a dificuldade de alguns estudantes, optamos por ir mais devagar com o cronograma, opção que nos pareceu a mais acertada. Com isso, trabalhamos mais intensamente tanto a parte teórica da disciplina quanto os aspectos comportamentais e individuais, possibilitando uma variação nas formas em que a relação ensino-aprendizado ocorrem, e relacionando o ensino a diversas questões cotidianas subjacentes. O tempo insuficiente que é dedicado ao ensino de Ciências (três aula semanais) contribui para a dificuldade dos alunos em torno da matéria e, consequentemente, também para a transposição das Ciências para fora do ambiente escolar [7,14]. Com um tempo maior, a temática da mobilidade urbana também poderia ser melhor explorada, bem como possibilitaria ao professor obter um retorno mais preciso dos alunos, atentando às suas dificuldades e mesmo modificando a sua didática para ajustar-se àquela que melhor se adapta aos estudantes, dentro de uma visão em que se busca a sua formação holística. A multiplicidade de atividades e de processos avaliatórios mostrou um interessante quadro em que diversos alunos puderam demonstrar, por meio de suas aptidões diferenciais (como a escrita poética e o desenho), a forma pela qual compreendiam a disciplina e, em certa análise, a própria organização da mobilidade urbana na cidade e do mundo. Citadas como importantes estratégias para possibilitar uma formação integral do indivíduo, as aulas práticas e ao ar livre tiveram um papel limitado para essa função. Necessitam, ainda mais no Ensino Fundamental, de uma atenção especial do professor na sua mediação, o que é decisivo para que tenham sucesso e levem à compreensão e à reflexão. A mobilidade urbana como o tema transverso parece ter favorecido o aprendizado dos alunos, que demonstraram capacidades de relacionar as Ciências em sala de aula com situações presentes em seus cotidianos, o que preconiza que, ao menos em parte, as novas práticas escolares podem se pautar pela opção pela transversalidade. Referências bibliográficas [1] Alencar, B.C.; Ferreira, E.A. 2011. A eficiência dos modos de transporte evidenciada nos Desafios Intermodais. Anais da 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Goiânia, GO. [2] Bicicleta na Rua. 2009. Mulher de bicicleta com cestinha vence Desafio Intermodal em Florianópolis. Publicado em 19/09/2009. Disponível em . Acesso em 18 de setembro de 2012. [3] Gomes, E. 2010. O desafio de cruzar a cidade. 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Anexo I Colégio de Aplicação Proposta de questionário para conhecer os alunos do 8° Série B Outubro de 2012 Nome (opcional): _________________________________________________ Idade:_________ 1) Há quanto tempo estuda no Colégio de Aplicação (CA)?______________________________ 2) Em que bairro você mora?______________________________________________________ 3) Quanto tempo, em média, você leva para chegar ao colégio?__________________________ 4) Como você vem ao CA? (Ônibus, carro, bicicleta, a pé...)_____________________________ 5) Quantos veículos sua família possui em casa? ___ Automóvel ___ Motocicleta ___ Bicicleta ___ Skate ___Patins ___ Patinete ___Outros (Qual? __________________) 6) Quem mora em casa com você?_________________________________________________ 7) Como você se sente no CA? Por quê? O que te faria sentir (ainda) melhor? ______________ ______________________________________________________________________________ 8) Você criou amizades na sua sala? Por que você diz isso?_____________________________ ______________________________________________________________________________ 9) Cite três coisas que você gosta de fazer no seu tempo livre____________________________ ______________________________________________________________________________ 10) Qual o último filme que te emocionou? Por quê?____________________________________ ______________________________________________________________________________ 11) Qual foi o momento ou evento mais marcante da sua vida? Por quê?____________________ ______________________________________________________________________________ 12) O que você quer ser quando crescer? ____________________________________________ 13) Qual matéria do colégio você mais gosta?_________________________________________ 14) Você acha que é importante estudar Ciências? Por quê? _____________________________ _____________________________________________________________________________ 15) Como você acha que as aulas de Ciências poderiam ser mais interessantes? _____________ _____________________________________________________________________________ 16) Como você aprende melhor? ( ) Lendo ( ) Escrevendo/Copiando ( ) Ouvindo ( ) Desenhando ( ) Outro (Qual? _______________) 17) . Anexo II Colégio de Aplicação - Ciências - 8ªB Nome: _________________________________________________________________ Meio de transporte: ____________________________ Horário de saída: ____h_____min Horário de chegada: ____h_____min Distância de casa: _________ km Anexo III